Para
historiador econômico da Universidade Princeton, pandemia poderá impor também
retrocessos ao processo de globalização
São Paulo
– O historiador econômico britânico Harold James, professor na Universidade
Princeton, acredita que a fase mais aguda da crise do coronavírus tem
apenas destacado uma competição entre sistemas políticos rivais.
Países
ricos, como a Itália e os Estados Unidos, têm falhado na contenção da
propagação do vírus. A China tem obtido bons resultados em função justamente do
regime autoritário. Para ele, por ora, a Coreia do Sul é o país que tem
mostrado a resposta mais efetiva no combate à pandemia.
James
também alerta para os riscos de retrocesso na globalização, “Estamos vendo um
recuo no processo de globalização e isso já vem de algum tempo. Com o surto,
acredito que esse movimento se intensifique”.
O
surto de coronavírus está alimentando uma reação contra a globalização? Quais
são as possíveis consequências?
De fato,
estamos vendo um recuo no processo de globalização, e isso já vem de algum
tempo. É óbvio para todos que a propagação do vírus está ligada à mobilidade, e
os esforços iniciais de contenção limitam a mobilidade, com proibições de
viagens nos países e entre países. Com o surto, acredito que esse movimento
antiglobalização se intensifique.
Mas os
principais efeitos no longo prazo estão principalmente relacionados à
psicologia política: a epidemia já gerou uma discussão sobre se pode ter sido
causada pelos governos. Circulam rumores de que os chineses — ou, em outra
versão, os americanos — estão usando a doença para enfraquecer ou destruir seus
rivais.
Não
acredito que exista base factual para nenhuma dessas reivindicações, mas,
quanto mais o vírus se espalhar, mais estranhas interpretações também
proliferarão.
Nos
últimos dias, a situação piorou consideravelmente com o avanço do coronavírus
na Europa, especialmente na Itália, e nos Estados Unidos. Agora que o
coronavírus ganhou proporções verdadeiramente globais, como o senhor analisa o
momento atual?
A fase
mais aguda da crise destacou a extensão da competição entre sistemas políticos
rivais. A China, com uma abordagem mais autoritária, pode lidar melhor com a
pandemia? Portanto, a resposta mais emblemática para os regimes democráticos é
a da Coreia do Sul.
Outros
países, notadamente a Itália, mas também o Reino Unido e os Estados Unidos, têm
visivelmente falhado na tentativa de fornecer simples testes, o que é cada vez
mais evidente de que seria uma ferramenta importante para gerenciar a contenção
e o isolamento.
A
estratégia da China para conter o surto de coronavírus impôs forte controle
sobre a sociedade, fechando cidades e colocando cidadãos em quarentena. O mundo
vê a China agora como um poder organizado para enfrentar qualquer tipo de crise
ou como o mesmo velho país comunista e autoritário?
As
evidências dos últimos dias sugerem que a China teve bastante sucesso em conter
o avanço da doença. Os extensos controles e o sistema de monitoramento da
população (que cruza dados do histórico de saúde do cidadão e verifica se há
infectados entre seus conhecidos) são notavelmente sofisticados e bem-sucedidos.
Se mesmo
assim a China for seriamente atingida no longo prazo e se houver a percepção de
que as autoridades não responderam adequadamente, não é irrealista prever
desafios muito maiores para o regime e sua legitimidade. Mas até agora, pelo
menos, os controles sociais da China parecem mais eficazes do que os sistemas
de saúde bastante caóticos e visivelmente sobrecarregados de outros países.
Isso
quase certamente levará muitos outros países a querer imitar a China — embora
provavelmente não na Europa, onde há preocupações muito maiores com a
privacidade. Mas espero que a crise produza um debate bastante amplo sobre a
coleta (e o uso e a disseminação) de saúde e sobre outros dados pelos governos.
As
contrações da atividade industrial na China estão sendo sentidas em todo o
mundo, refletindo o papel crescente da China nas cadeias de suprimentos e
commodities. A China pode perder a participação no comércio global devido à
crise de saúde pública?
O efeito
do vírus é perturbador, mas de curta duração. No entanto, muitos fabricantes
terão consequências, com o temor de aumento da probabilidade de eventos
semelhantes no futuro não querem depender de cadeias de suprimentos longas e
distantes.
Os danos
ao turismo podem ser de longo prazo — imagino que muitas pessoas não desejem
correr o risco de ser confinadas obrigatoriamente em navios de cruzeiro de alto
risco. Mas hotéis e companhias aéreas também podem sofrer um longo impacto,
porque o vírus muda uma percepção de longo prazo do que é um risco aceitável.
Mesmo
antes do coronavírus o presidente Donald Trump estava ordenando que empresas
multinacionais abandonassem a China e produzissem seus produtos em fábricas
americanas. Esse movimento aumentará e mais países adotarão a mesma iniciativa?
Sim, os
argumentos para encurtar as cadeias de suprimentos já existiam antes de Trump —
em parte, que também representa as possibilidades tecnológicas de processos de
produção difusos. Eu realmente suponho que essa tendência continue e se
intensifique.
Argumentos
contra imigração e fronteiras abertas ganham força em um momento como este. O
senhor espera que os políticos e partidos populistas deem mais ênfase a essa
estratégia?
Eles
certamente farão esse apelo. Até que ponto é politicamente atraente e
bem-sucedido, isso dependerá de quão bem as autoridades serão julgadas como
tendo gerenciado a crise.
Uma
questão substancial é que em muitos países — incluindo os EUA, e também a maior
parte do norte da Europa e do Oriente Médio — os serviços de saúde são
altamente dependentes dos trabalhadores imigrantes. E a crise destacará como o
trabalho em saúde é perigoso.
Como
os governos devem agir para deter o surto de coronavírus?
Eles
tentarão a contenção — fechando escolas, escritórios e outros lugares com
aglomeração de pessoas — e esperam que isso atrase a propagação do vírus,
enquanto se intensifica o trabalho para o desenvolvimento de testes de
diagnóstico, tratamentos e vacinas. É uma corrida contra o tempo, mas talvez
facilitada pela tecnologia, o que possibilita que muitas pessoas trabalhem e
ensinem à distância.
A crise
também deve dar um forte impulso à tendência existente de maior uso da
telemedicina, e é claro que isso pode ocorre numa escala global: enviar fotos,
conversar com profissionais de saúde, receber conselhos médicos e (possivelmente)
ter prescrições escritas por alguém do outro lado do mundo. Isso não é um
remédio para casos intensos, mas certamente se tornará a maneira predominante
de lidar com as incidências menos graves.
Qual
é o cenário para o Brasil, que é dependente de exportações de commodities e
capital estrangeiro?
Todos os
mercados emergentes serão seriamente atingidos por uma recessão global. Eles
também serão seriamente afetados pelo aumento das moedas em direção a refúgios
seguros, em particular o dólar, uma vez que os mutuários corporativos e
governamentais precisam pagar os empréstimos em dólar
https://exame.abril.com.br/economia/coronavirus-acentua-competicao-global-entre-sistemas-politicos-rivais/