quarta-feira, 3 de março de 2010

A Secularização da Igreja


A identidade cristã é um conjunto de caracteres próprios e exclusivos, fundamentados nas Escrituras e nos bons costumes que identificam o cristão como discípulo de Cristo e fiel membro da comunidade dos santos (Gl 5.22). A identidade cristã, por sua vez, opõe-se ao secularismo hodierno. Nesta lição trataremos a respeito da conceituação e definição de secularismo e secularização, bem como dos aspectos históricos e teológicos relacionados ao tema.

I. Definição
1.1. Etimologia:

O termo “secular” e seus cognatos, procedem do substantivo latino saecŭlum e secŭlum, definidos literalmente como “espaço longo de tempo”, “cem anos”, “tempo em que se vive”, “época”, “vida mundana”, “mundo”, “mundo profano”. O adjetivo latino saeculāris, significa “secular”, “pertencente ao século”. Desta palavra se derivam os vocábulos “secular”, “secularização”, “secularismo”.
O correspondente aos termos saecŭlum ou saeculāris no grego neotestamentário é aiōn (ou aiōnos) traduzido em diversos textos por “tempo muito longo”, “era”, “século”, “século ou era presente”, “mundo” (Cf. Mt 12.32; 13.22; Lc 1.70; 16.8; Jo 6.51, 58; 9.32; Rm 16.27; Hb 13.21).

1.2. Conceituação:

O termo secularização é de significado elástico e abrangente e, de acordo com as circunstâncias, pode ser aplicado em diversos contextos.


a) Fenômeno da Modernização. É possível falar de secularização como um fenômeno da modernização, em que o antigo – antiquado –, é substituído pelo novo – modernidade. Secularização, portanto, é um movimento de atualização ou de contextualização com uma época. Neste sentido, o “velho” é atualizado, ou substituído pelo novo. Há uma mudança de direção, ou ruptura com o antigo rumo.


b) Fenômeno Histórico. Secularização também pode representar o fenômeno histórico dos últimos séculos, pelo qual as crenças e instituições religiosas se converteram em doutrinas filosóficas e instituições leigas. Isto significa uma profunda mudança nos objetivos e projetos das instituições religiosas em que esta se torna uma instituição laica e os oficiais religiosos em autoridade leiga.


c) Processo Histórico. Podemos entender a secularização, como o processo histórico pelo qual os bens eclesiásticos e as atribuições políticas do clero são transferidos para as autoridades leigas. Esse processo ocorreu principalmente nas monarquias absolutistas após a Reforma Protestante na Alemanha, Inglaterra e Escandinávia. Nestes locais, muitas propriedades eclesiásticas foram confiscadas – mosteiros se transformaram em colégios e igrejas em principados leigos. A igreja, portanto, passa a ser uma instituição subordinada ao Estado. O decreto imperial na Alemanha, por exemplo, em 1803 confiscou cerca de 22 bispados, 80 abadias e 200 mosteiros.
Um aspecto emblemático, que muito ilustra esse processo de secularização histórica, pode ser observado na transferência do registro civil e dos cemitérios de posse da igreja para o poder público.
Uma das negociações mais singulares desse processo histórico ocorreu entre os dias de 15 de maio a 24 de outubro de 1648. Neste período, nas cidades alemães de Münster e Osnabrück, foi assinado um grande tratado de paz (a Paz de Westfália) que pôs fim a desastrosa Guerra dos Trinta Anos – guerra sanguinária entre católicos e protestantes (luteranos e calvinistas). Este tratado, entre muitas leis, assinalou que um reino tem interesses que o colocam acima das motivações religiosas e a autoridade do papado para intervir nos assuntos internos dos reinos, foi substituída pelo conceito de soberania de estado.


d) Conceito Religioso. A secularização, entendida como teoria humanista pós-moderna (secularismo), é muito mais do que o comportamento e o pensamento do mundo de nosso tempo. Trata-se do modo de viver deste mundo, que além de não comungar com os interesses espirituais do Reino de Deus, opõe-se radicalmente a ele.
O secularismo, como afirma o dicionário Houaiss, é o “regime laico, secular; exclusão, rejeição ou indiferença à religião e a ponderações teológicas”. Cabe aqui afirmar, que não se trata apenas de “indiferença à religião e a ponderações teológicas”, mas em completa ruptura e oposição a estes. Como indiferença, o secularismo classifica a religião e seus dogmas como temas idiossincráticos ou particulares, sem interesses reais para a sociedade.
A crença é assunto pessoal de cada um, portanto, o Estado não interfere na crença do indivíduo, mas a doutrina religiosa deste, não deve interferir nos assuntos daquele.
Neste aspecto, a secularização é um fenômeno próprio da modernidade. De acordo com Champlim, G.H. Holyoake (1818-1906), foi o primeiro a usar o termo “secularização” como referência a toda atitude anti-religiosa.
Se considerarmos o profeta Daniel e a Babilônia de seu tempo como exemplos, descobriríamos que o Estado interferia rigorosamente na crença de seus cidadãos.
Não apenas a Babilônia, mas provavelmente em todos os reinos da geografia bíblica, não existia qualquer distinção entre assuntos do Estado e assuntos religiosos. Pelo contrário, Estado e Religião se confundiam, estavam intrinsecamente unidos.
No entanto, os interesses religiosos e políticos sempre estiveram em busca do enlace e do divórcio, de modo que a ruptura entre ambos só é plenamente inteligível se considerarmos todos os contextos.
A dificuldade parece ser insuperável, uma vez que o indivíduo não é uma tabula rasa (tábua ou folha em branco), e não se despe de suas crenças religiosas como se estivesse trocando de roupa. Não é possível pedir que o sujeito tenha dois comportamentos – um secular e outro religioso –, pois isto é contrário à própria cidadania e ao ser religioso. A pessoa não pode negar o que é em razão de estar fora dos umbrais da igreja – muito pelo contrário.
A igreja recomenda que os cristãos participem na vida pública como cidadãos, mas que não abandonem a consciência e os valores cristãos.


f) Teologia da Secularização. O desenvolvimento da Teologia da Secularização, deve-se ao teólogo alemão e discípulo de von Harnarck, Friedrich Gogarten (1887-1967). Gogarten distinguia entre “secularização” e “secularismo”. Para o teólogo, a secularização é necessária e legitima a fé cristã, enquanto o secularismo é a degeneração da secularização.

Gibellini, define o conceito de secularização de Gogarten como “um processo histórico de profunda transformação do homem e do mundo, da forma como o homem se relaciona consigo mesmo e com o mundo” (A Teologia do Século XX, Loyola, 1998, p. 128).

O conceito de Gogarten admite positivamente a desmitologização de R. Bultmann, considerando-a como um método hermenêutico apropriado para que o homem moderno compreenda a mensagem salvífica do Novo Testamento. Gogarten aderiu ao movimento religioso dos Cristãos Alemães que apoiavam a Hitler, por considerar, de início, que se tratava de uma forma de autoridade legítima. No entanto, depois de observar que o movimento estava abandonando os fundamentos bíblicos, escreveu um documento de protesto e desvinculou-se do movimento.

g) Secularismo Eclesiástico Moderno. A religião cristã está passando por um profundo processo de secularização. A competição entre as denominações evangélicas à procura de novos fiéis, nem que para isso seja necessário o emprego de estratégias mercadológicas, de marketing e dos recursos da indústria cultural, assinalam a secularização da igreja hodierna. Mas o processo de secularização da igreja, entendida também como modernização de suas estratégias evangelísticas, que muitas vezes contestam a própria práxis evangélica, não é nada novo.
Atualmente podem ser detectados três fortes movimentos que convivem, disputam e dialogam entre si no contexto da religião brasileira:
 a explosão do fenômeno religioso;
 a desconfiança na instituição religiosa;
 e a secularização da igreja.

A explosão do fenômeno religioso Este é conseqüência da difusão do sagrado. O aumento das denominações evangélicas, das seitas cristãs, das religiões orientais, da ufologia mística etc., comprova o fato. O sagrado está tão difuso que o cidadão comum não consegue diferençar a verdadeira religiosidade da falsa. É possível ouvir os jargões dos movimentos pentecostais sendo pronunciados por apresentadores (as) da mídia eletrônica; camisetas estampadas com dizeres evangélicos (mesmo que o fabricante e o portador não o sejam); músicas cristãs mixadas com ritmos dançantes; igrejas que se transformam em salões dançantes e cujas programações destinadas à juventude se confundem com funk, hip hop, New Wave, entre outros.
A desconfiança na instituição religiosa Trata-se de uma resposta racionalista às contradições do fenômeno religioso. Argumentam que as pessoas acreditam mais nos cartomantes, nos duendes, nas benzedeiras do que nos cientistas.
É uma conseqüência da explosão do fenômeno religioso.
A secularização da igreja É uma vulgarização da fé que favorece a dessacralização do sagrado e usa a indústria cultural como veículo para propagar um evangelho sem Cristo e um cristianismo sem a ética bíblica.

Professor, quem estuda o que a Escritura afirma a respeito do relacionamento da Igreja com Cristo expresso no simbolismo do matrimônio, sabe que uma igreja secularizada é uma noiva infiel ao seu noivo (Ef 5.22-32).

A doutrina cristã não interfere na moral e ética do crente nominal. A doutrina cristã interfere na vida pessoal, ética e moral do crente. Aplicar os princípios bíblicos ao cotidiano.
A obrigação religiosa é mais importante do que a prática da piedade cristã. A piedade cristã é mais importante do que as obrigações religiosas. Priorizar a essência em vez da aparência.
As reuniões cristãs são mero entretenimento religioso. As reuniões cristãs são momentos especiais de adoração ao Deus Vivo. Exaltar a Deus em vez dos homens.
A liturgia abandona a simplicidade cristã pelos shows pirotécnicos. A presença do Espírito Santo é mais importante do que os aparatos litúrgicos. Enfatizar a ação do Espírito em vez da técnica.
Dessacralização do templo, dos ritos e símbolos cristãos e a perda da reverência cristã no culto. O templo, os ritos e símbolos cristãos são sagrados pois testificam da presença de Deus entre o seu povo. Privilegia o sacro. Reverenciar o que é santo.
Pregações motivacionais que incentivam a riqueza, o luxo e priorizam o status social. A pregação é cristocêntrica e incentiva o Reino de Deus em vez do reino deste mundo. Distinguir a palavra profética da motivacional.
O relaxamento dos valores morais cristãos. Os valores morais, pautados na Bíblia, são preservados e admitidos como norma e conduta dos santos. Preservar os valores morais da Bíblia.

II. Secularização em dois contextos
a) Histórico-cultural:
Embora o termo “secularização” seja empregado em diversos sentidos, interessa-nos, neste momento, duas abordagens específicas. A primeira, de caráter histórico e cultural, que se inicia quando a sociedade do final do século XIX e início do século XX exige a ruptura definitiva com a instituição eclesiástica.
Era um movimento de ruptura que buscava a emancipação da cultura, política e filosofia da tutela da religião cristã. Alguns filósofos chamaram esse período de “desencanto do mundo”. Nesse contexto, a secularização era entendida como uma ruptura entre a sociedade e a igreja, entre o secular e o sagrado. Estava, portanto, reafirmado o distanciamento entre a sociedade secular e a igreja, entre o Estado e o cristianismo.


b) Cristãos Alemães: A segunda, está relacionada ao movimento dos Cristãos Alemães (Deutsche Cristen), fundado na Turíngia em 1927. A fim de secularizar a igreja e popularizar o cristianismo na Alemanha, A Igreja Evangélica Alemã aliou-se ao nacional-socialismo (nazismo), vindo apoiar a Adolf Hitler quando este subiu ao poder em 30 de janeiro de 1933. Nesse período, as suásticas compartilhavam do altar ao lado da cruz, e os cristãos seculares viram Hitler como um profeta para restaurar o cristianismo e a religiosidade do povo alemão. Os cânticos cristãos faziam referências ao “Chanceler (Hitler) que vela pela Alemanha, noite e dia, sempre a pensar em nós”. Um dos líderes do movimento, Dr. Reinhold Krause, propôs a eliminação do Antigo Testamento, da moral judaica e a exclusão dos ensinos do rabino Paulo do Novo Testamento, pois não estavam de acordo com os novos padrões culturais e políticos da época. No entanto, um dos opositores ao nazismo e ao movimento iniciado pela Igreja Evangélica Alemã, pastor Dietrich Bonhoeffer, antes de ser enforcado, exortou as igrejas à não se renderem aos ídolos do mundo moderno.
Nesta conjuntura, podemos entender a “secularização” como um movimento cristão que procurava cristianizar a sociedade mediante a união entre a igreja e o Estado, valendo-se para isto, dos princípios éticos e morais da sociedade. Enquanto o movimento do século XIX procurava afastar a igreja do Estado, a Igreja Alemã tencionava incorporar ao Estado a religião, mas seguindo os fundamentos da sociedade em vez dos bíblicos.


muito cuidado........

fique com a Palavra de Deus.......

um abraço em Cristo

Pr. Edmundo